fundaçao do idoso s.joao do rio do peixe


LUGAR DE IDOSO É EM CASA

03/10/2013 20:37

AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA

 

  1. - LUGAR DE IDOSO É EM CASA

 

Para o idoso, é sempre melhor ficar com a família. Se for necessário colocá-lo em um asilo, a família deve visitá-lo maior com a frequência possível. É preconceito pensar que a vida do idoso no asilo será cruel. As ILPIs –sigla para Instituições de Longa Permanência de Idosos– são uma modalidade de serviço, assim como escolas, creches e hospitais e, de acordo com Ana Amélia Camarano, técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), "há serviços bons e ruins". É preciso saber escolher.

Segundo a pesquisadora, "crueldade é envelhecer em um país que não tem oferta de leitos suficiente para todos os idosos que necessitam". O Brasil tem, hoje, pouco mais de 5.500 instituições, sendo apenas 238 delas públicas, e a maioria de origem filantrópica. Por outro lado, projeções do governo federal apontam para um crescimento do número de brasileiros idosos de 23 milhões para 35 milhões, nos próximos 15 anos. O número de leitos existentes, para acompanhar esse crescimento, terá, no mínimo, de dobrar.

 

Esses números refletem uma sociedade amparada pela evolução da medicina, que atua combatendo e prevenindo doenças ligadas ao envelhecimento e faz aumentar a expectativa de vida para até 100 anos nos países mais desenvolvidos.

Ao mesmo tempo, famílias ficam cada vez menores; casais têm menos filhos e todos estão ativos no mercado de trabalho. Falta gente em casa com tempo para se dedicar aos velhinhos.

O geriatra Márcio Borges diz que, mesmo que alguém da família tenha tempo disponível, nem sempre vai ser possível deixar o idoso em casa: "Hoje, temos cerca de quatro milhões de pessoas na categoria de alta dependência do Brasil –vítimas de Alzheimer, acidentes cardiovasculares e derrames de consequências irreversíveis ou com problemas ortopédicos sérios e imobilidade".

 

 

Novas idosas apresentam um novo perfil para a terceira idade e são mais ativas e vaidosas6 fotos

2 / 6

"Tenho vida sexual ativa, mas atribuo à reposição hormonal. Se não fizesse, talvez não tivesse essa vitalidade sexual que tenho", diz Helô Pinheiro. "A reposição te dá essa libido, vitalidade. A minha está ótima, graças a Deus". Leia mais Rafael Roncato/UOL

A doença de Alzheimer, no entanto, é a grande vilã da terceira idade, porque exige cuidados em tempo integral. "Como é muito fácil chegar hoje à casa dos 80 anos, o número de idosos que sofrem desse mal aumenta muito. É sabido que 30% dos brasileiros nessa idade vão desenvolver a doença", calcula o geriatra.

Segundo Thiago Gomes da Trindade, médico vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, idosos sozinhos, sem parentes próximos, acabam institucionalizados quando perdem sua independência, por doença física ou mental.

Você colocaria seus pais em um asilo?

  • Sim. Eles teriam muito mais assistência em um asilo do que em casa.
  • Não. Acho uma crueldade colocar o idoso em um asilo.
  • Só colocaria se eu não tivesse outra alternativa.
  • Não tenho uma opinião formada sobre o assunto. Quando têm familiares presentes e boa saúde, participam da decisão; é preciso que parentes dialoguem entre si e dividam um plano de visitas ao asilo. Por outro lado, se houver condições de abrigar o idoso em casa, essa solução será a mais indicada", afirma o médico.

O tipo de relacionamento entre pais e filhos, e não só as condições financeiras da família, também pesa muito na escolha entre institucionalizar ou acolher.

Quanto custa?

Casas de repouso podem custar entre R$ 3 mil e R$ 8 mil por mês, de acordo com o nível do atendimento médico e psicológico, se o quarto é individual ou compartilhado ou se há necessidade de tratamento intensivo (UTI). Em outros casos, asilos mais caros oferecerão serviços de convivência e lazer.

Já quem deixa os idosos em casa vai gastar, só com cuidadores contratados para as 24 horas do dia, no mínimo R$ 3 mil, sem contar os custos trabalhistas, adicionais noturnos e outros benefícios, remédios e instalações residenciais específicas que o idoso venha a precisar (macas, respiradores, rampas de acessibilidade para cadeiras de roda).


É a família quem deve ser a grande provedora de seus velhos, mas ela não pode falir. Subsidiariamente, a responsabilidade é do Estado (no Brasil, o Ministério Público), que fiscaliza instituições e cuida do idoso maltratado ou abandonado, inserindo-o no sistema institucional.

Enquanto a população envelhece, a questão dos idosos se torna uma bomba relógio prestes a explodir, o que exige solução rápida. A grande preocupação é o que será de todos os jovens de hoje, quando se tornarem, todos ao mesmo tempo, os muitos velhos de amanhã.

Política de inclusão

A ideia de "asilo" surgiu no Brasil como lugar para onde se mandava doentes mentais que precisavam ser excluídos da convivência em comunidade. Acreditava-se, há décadas, que "loucos" e pessoas "diferentes" –entre elas os velhos– tinham de ser isoladas.

"Nosso 'mal-estar', hoje, é que no mundo da produção e do consumismo não há espaço para o idoso", afirma Fernando Genaro Junior, doutor em psicologia clínica do envelhecimento pela USP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. A figura senil não simboliza mais a sabedoria, mas é associada à falta de celeridade e à doença, o que impossibilita ainda mais o convívio.

"Há, sim, políticas públicas, mas elas, muitas vezes, infantilizam o idoso, como se ele fosse uma criança velha, e isso também não melhora o quadro social", fala o professor. Por outro lado, a cultura que se propaga é a de negar o envelhecimento a qualquer custo.

É por isso que especialistas acreditam que a quebra do tabu parte de dentro da própria família: na forma como o idoso é encarado e cuidado e na manutenção do diálogo com familiares. Sem violência (física, psicológica ou emocional) ele deve ser autorizado a expressar sua vontade de ir ou não para uma instituição, visitar o local, conhecer pessoas e preferir ficar em casa, se houver esta possibilidade.

 

 

Pesquisa de mercado

Quando não é possível acolher em casa, o jeito é fazer uma pesquisa dos serviços ofertados: "Deve ser um local de interlocução, comunitário, com cuidados técnicos especializados –cuidadores, enfermeiros, médicos, psicólogos, segurança–, na medida necessária a cada um", explica Fernando Genaro Junior.

Ao entrar em contato com uma casa de repouso, verifique a existência de um profissional da saúde que o convide para uma conversa. "Isso é um indício de que estão interessados em saber quais são as necessidades do idoso que será internado", diz o professor do Mackenzie.

O entrevistador deve perguntar pelas expectativas e preocupações da família quanto à estadia e ficar curioso sobre as condições físicas e emocionais do candidato à vaga. Vale entrar em contato com famílias que já conhecem a instituição e com o próprio Ministério Público estadual, para checar se há denúncias, investigações em andamento ou processos judiciais contra a casa de repouso (por negligência ou violência contra o idoso).

 

A figura do acompanhante terapêutico tem se mostrado peça-chave: são psicólogos, assistentes sociais ou terapeutas ocupacionais, com treinamento técnico específico para acompanhar idosos ao longo do dia, auxiliando-o na recuperação de experiências sociais e cidadãs (como ir ao banco, pegar o metrô, ler o jornal, participar de atividades), além da autonomia funcional do próprio corpo.

"Este profissional é importante porque, mesmo em um asilo de primeira linha, com todos esses cuidados, há a tristeza da saída do ambiente familiar, da casa onde se viveu muitos anos; até mesmo a sensação de abandono, pela falta de uma opção mais próxima dos entes queridos e, somado a tudo isso, o embate com a chegada da morte".

Para aliviar esta dor, o melhor remédio será a visita rotineira e fiscalizadora –com a máxima frequência possível– daqueles que são indispensáveis a um final de vida mais tranquilo e feliz.Sair

 

Parte superior do formulário

EU SEMPRE PENSEI que, ao ficar idoso, poderia morar num lugar bem sossegado, com as minhas coisas, com o meu silêncio ou com o meu barulho! As coisas seriam feitas no horário em que eu bem quisesse, sem nenhuma imposição dos regulamentos, das normas e dos mandos. Na CASA DA VIDA vou cantar, vou gargalhar, chorar se quiser! Vou dançar, ouvir meu rádio ou tocar violão. Vou seguir o que mandar meu cérebro ou coração! Só gente como eu vai morar ali: Então, meus vizinhos também terão lembranças. Vamos recordar nossas conquistas e as perdas havidas em nossos caminhos. Nos finais de semana vamos receber nossos parentes (aqueles que, ainda, se interessam por nós).

Eu tenho mais 4 irmãos, e um deles, é doente.Quando meus pais ficaram doentes eu tive que cuidar deles, sozinha, mas o meu irmão que é doente descobriu, veio me ajudar, justo o que já era doente, porque os demais , nem se deram o trabalho, de querer ajudar, minha mãe , melhorou, mas o meu pai ainda está em tratamento. Então eu tive uma doença grave, quando acordei do coma, meu pai ao me visitar disse: minha filha, você é a única, que não pode ficar doente, porque senão não vou ter quem cuide de mim, e no hospital, eu só pensava em ficar boa, e voltar logo, para casa, para continuar cuidando deles, claro, minha recuperação, foi meio lenta e nem sei o que seria de meus pais , se eu tivesse morrido, com alguns irmãos, desmazelados, que tenho, para cuidar de meus pais, graças a DEUS , continuo firme para cudar deles, mas eu não os colocaria, num asilo.

 

 

COMENTÁRIOS

 

A OUTRA FACE DA MOEDA: OS ASILOS PÚBLICOS

 

2)- ASILO PÚBLICOS PARA IDOSOS –

 

O LUGAR DA FACE REJEITADA

 

Introdução

O presente artigo surge como desdobramento de uma investigação realizada no período 2001/2002, que teve por objeto, os idosos internos no asilo Dom Macedo Costa, localizado em Belém do Pará, o qual, na ocasião, passava por um processo de desativação. Essa incursão, que serviu como pesquisa de campo para minha dissertação de mestrado permitiu perceber que o isolamento dos idosos em instituições asilares é um testemunho das dificuldades que as pessoas têm em identificar-se com eles. A velhice do Outro se torna uma lembrança antecipada da própria velhice e o contato com a pessoa idosa abala as fantasias defensivas que são construídas como muralha contra a idéia de sua própria velhice. Por trás da necessidade obsessiva de acreditar na eterna juventude e rejeitar a face da velhice, encontra-se um certo desejo inconsciente de fugir à inexorabilidade das leis da natureza. É como Édipo que, embora busque escapar de seu destino, corre justamente ao encontro dele. O idoso não consegue escapar do drama que vive.

RESUMO

Nunca antes na história da humanidade, os idosos foram afastados de maneira tão asséptica para os bastidores da vida social; seus corpos são tirados de circulação com extrema presteza e seu caminho em direção à sepultura é acompanhado por um número cada vez mais restrito de testemunhas. O traço marcante desse processo é a contradição de uma consciência que proíbe maltratá-los, ao mesmo tempo em que permite sua segregação e confinamento em asilo público. Este texto pretende colocar à mostra o drama de rejeição vivido por aqueles cuja trajetória aponta para o asilo e revelar parte do drama dos que lá se encontram recolhidos.

PALAVRAS-CHAVE

Asilo, segregação, idoso, violência, individualidade, liberdade. Alteridade, começa com sua retirada paulatina da vida social, ganha impulso com utilização de múltiplas formas de violência, se solidifica com a perda da liberdade e com o aviltamento de sua dignidade, e finalmente se completa na experiência do asilo.

Asilo: um universo paralelo

A sensibilidade em relação ao afastamento dos idosos da vida social evaporou rapidamente e ajustou-se à racionalização dos motivos. Existem expectativas e sentimentos que não podem ser compartilhados quando se chega à velhice, o principal deles é a solidão. Elias (2001) diz que o caminho para as câmaras de gás nazistas é um exemplo de pessoas em meio a muitas outras, mas definitivamente sós; os levados para a morte eram reunidos ao acaso e não se conheciam entre si, cada um deles, em meio a várias pessoas, estava sozinho e solitário no mais alto grau.

Tal exemplo dá indicação do que significa para os idosos se sentirem excluídos da sociedade mais ampla, mostrando que a admissão em um asilo, normalmente significa não só a ruptura definitiva dos velhos laços afetivos, mas também a necessidade de se submeter a uma vida comunitária com pessoas as quais ele nunca antes teve qualquer ligação afetiva. Significa em princípio, um estado de extrema solidão, “muitos asilos são, portanto, desertos de solidão”.(Elias, 2001, pp.85-86)

O asilo é, basicamente, uma instituição burocrática, cuja hierarquia deriva da posição que cada um ocupa dentro dela. Lá se estabelecem relações de poder que são expressões de uma organização, que se concretiza através das normas e regulamentos, que, enquanto elementos racionais, representam um conhecimento especializado dos que lá exercem suas funções sobre os que estão na condição de internos. Estes são tratados como objetos sobre os quais é exercido o trabalho de mantê-los vivos e razoavelmente confortáveis enquanto a morte – sua perspectiva óbvia, iminente e inevitável – não os vêm colher definitivamente. Esse fenômeno – a morte - ocorre sob múltiplas dimensões, a maioria delas é simbólica e acontece gradualmente.

Os vários falecimentos começam muito antes de sua entrada no asilo e têm um de seus eventos mais importantes quando da separação dos que envelhecem do âmbito das relações em que atuam os outros vivos. Costa (1998) diz que na velhice, o futuro é o presente, e a maturidade implica, portanto, renúncia à juventude e à beleza e rendição às limitações, à doença e, finalmente, à morte. De acordo com a autora, o velho maduro tem consciência da transitoriedade da vida, aceita e convive com a proximidade da morte.

O isolamento e o gradual esfriamento das relações com as pessoas a quem eram afeiçoados, a separação do calor humano familiar e do círculo de amizade, faz com que seja de sofrimento o tempo daqueles que são deixados sós. Isso faz do asilo uma perspectiva ao mesmo tempo assustadora e inevitável. Na condição de interno, o idoso se encontra submetido a um conjunto de regras que serão postas em vigor por meio de estratégias que envolvem premiações para quem as acata e punição para quem as transgrida. Além das regras formais, outras, de caráter informal, levadas a efeito pela manipulação e privilégios e punições, persuadem o interno a tornar-se dócil e a adaptar-se, como um estrangeiro longe de seu país de origem. Para colocar o idoso na instituição asilar, aqueles que o cercam fazem-no privado ou pelo menos limitado em sua vontade e razão, tornando-o deslocado socialmente. Isso traz à tona a questão para o qual a solução ainda não está perfeitamente clara, e que diz espeito ao papel reservado ao idoso num contexto social caracterizado por múltiplas formas de exclusão e onde a face doOutroé sistematicamente rejeitada. Como diz Debert (1999), a impossibilidade do resgate da multiplicidade de papéis sociais torna a experiência na instituição decepcionante e dá a ela dinâmica própria.

Os indivíduos cada vez mais cedo são relegados à condição de desnecessários, num processo que os retira do mundo do trabalho de forma prematura, inexorável e impiedosamente. Essa saída produz um rompimento com as instâncias formuladoras de sua condição de indivíduo, representando uma espécie de morte do sujeito social que ele é, tornando-o opaco diante dos outros indivíduos. Esse processo de liquidação do Outro, nesse caso o Outro velho, é operado por uma síntese artificial da alteridade que provoca o desaparecer da memória.

Levinas (1998), diz que o pensamento ocidental é caracterizado por um esquecimento sistemático do Outro. O asilo, então, torna-se o inconsciente para onde a lembrança do idoso é varrida. A sociedade e a família, mais especificamente, tentam justificar a internação dos idosos pela necessidade de cuidá-los adequadamente. Da parte do Poder Público, o discurso aparente é o da intenção de protegê-los para evitar que sofram maus tratos. Todavia, por melhores que sejam as condições da instituição não é possível evitar que sejam submetidos a sofrimentos, pois sua condição de interno já se configura por si só motivo para profundas angústias.

Uma vez que estejam fora da esfera produtiva tornam-se inúteis e socialmente inoportunos; para a família ao demandarem maior quantidade de atenção e cuidados, tornam-se estorvo e fonte de despesas adicionais; se não têm família e vivem nas ruas, a estética da miséria estampada, incomoda, muito mais que comove, aos transeuntes. Segundo Haddad (1993), o fim da vida é um fenômeno que evidencia a reprodução e ampliação das desigualdades sociais. Recolhido ao asilo precisa reinventar a sua socialização, e nessa condição, corre o risco de ver reproduzidas grande parte das mazelas já experimentadas fora.

Uma vez lá dentro poderá sentir-se acolhido e achar que a instituição age sobre ele com o intuito de protegê-lo e confortá-lo, como também poderá experimentar a sensação de que sobre sua condição de interno são descarregadas as frustrações daqueles que vivem fora do ambiente asilar. Isso só é possível porque a velhice desarticula a interação do indivíduo com o mundo e produz o seu desamparo frente à vulnerabilidade do corpo e dos efeitos da potência esmagadora da morte. Apesar de seu papel desconstrutor, o asilo faz emergir a possibilidade de reconstrução de um novo mundo social para o idoso, limitado, restrito em relação à sociedade mais ampla, mas ainda assim suficiente para que ele incorpore alguns papéis e resgate, pelo menos parcialmente, sua condição de ser humano.

A Violência da Segregação Asilar

O homem é, essencialmente um ser de relação. As relações que ele entabula quase sempre são de conflito que, na maioria das vezes, não aparecem de forma evidente. Na família, no trabalho, numa instituição qualquer ou mesmo a sociedade como um todo, os limites dos direitos de cada um estão em permanente confronto com o direito dos outros. Esse confronto, via de regra, nega a condição de igualdade e nega também o direito à diferença, formando uma espécie de lógica darwiniana que agride a liberdade do individuo.

Outro, transforma-o em vítima, agindo contra ele através do uso da força ou privando-o de algum bem, seja ele a vida, a integridade ou a liberdade de movimento. Tal postura configura-se como violência e está em contradição com a exigência fundamental para que se possa agir eticamente: afastar dessa ação tudo que possa impedir a manifestação integral da condição humana. No caso dos internos em asilos, é possível questionar não apenas o Estado mas toda a sociedade quanto à legitimidade do agir segregador que atua sobre o idoso. Tais ações se apresentam como autojustificadas pela necessidade de proteger esses indivíduos mesmo contra a sua vontade.

A contradição desse processo encontra-se no fato de que sob a justificativa da necessidade, são agredidos frontalmente outros direitos fundamentais desses indivíduos. Embora nas intervenções do Poder Público,

através dos programas de assistência, não se possa falar em agressão física, mesmo assim, existe violência, já que a ação exercida sobre o idoso visa a privá-lo parcialmente do direito de manifestar sua humanidade e da possibilidade de vivê-la livremente em sociedade. Essa é uma violência que “se insinua, freqüentemente, como um ato natural, cuja essência passa despercebida”.(Odália 1985, pp.22-23). Percebê-la significa superar sua aparência de ato rotineiro, natural, inscrito na ordem das coisas, e transformá-la naquilo que ela realmente é: um dos mecanismos de efetivação dos processos de exclusão.

A institucionalização do idoso pobre, faz com que sua condição deixe de ser percebida como decorrente de processos sociais e passe a ser encarada como fruto da imprevidência pessoal ou da crueldade familiar. De acordo com Néri & Debert (1999), o processo de envelhecimento pode reforçar desigualdades em face da qualidade de vida e do bem-estar dos diferentes estratos sociais, de homens e mulheres, de brancos e não-brancos, de jovens, adultos e os mais velhos, contribuindo assim para aumentar a chance de exclusão. Essa forma de violência, como todas as outras, tem como característica principal ser um “abuso”.

Historicamente, as sociedades constroem modelos de discriminação e exclusão, alimentados por sistemas de valores fundados sobre a estigmatização de determinados segmentos do grupo social ao mesmo tempo em que fornece os paradigmas as serem seguidos e prestigiados pelos membros da comunidade. Beauvoir(1976) diz que o mundo fecha os olhos aos velhos, assim como aos jovens delinqüentes, às crianças abandonadas, aos aleijados, aos deficientes, todos estigmatizados, nivelados pelo mesmo plano. O paradigma de homem contemporâneo está construído com base no sistema econômico vigente, que tem por característica desenvolver-se e alimentar-se do “novo”, mesmo que esse novo não passe de uma maquiagem do velho, o que coloca em xeque a fragilidade da condição humana.

No caso do idoso, os processos de exclusão que sobre ele atuam iniciam-se com sua saída da esfera produtiva, que tem como paradigma o jovem cheio de vigor e estende-se à família, que, envolvida nas lutas do dia-a-dia não encontra mais tempo para lhe dar atenção. Por trás das providências de acolhimento, é possível vislumbrar a rejeição sistemática de sua presença, especialmente quando pobre. Como não é possível eliminá-los, simplesmente, a opção se torna afastá-los da convivência social e exilá-lo em locais onde a sua condição de segregado não se ponha à mostra.

A sociedade, manifestando-se através do Estado, da família e das demais instituições, agem sobre ele como um barco que para continuar sua trajetória commais celeridade, joga ao mar o peso desnecessário. A condição de idoso, agravada pela pobreza, coloca-o fora do jogo que se desenvolve na arena social. Ninguém sofre mais injustamente a privação nessas formas camufladas do que um interno de asilo público. Ele é retirado do convívio social, e tudo que ele é, foi construído no ambiente social e só tem sentido socialmente. Quando uma sociedade oferece a qualquer pessoa menos do que ela é capaz, então ela, necessariamente, é uma sociedade injusta e violenta. Damata (1993), nos diz que a violência e sobretudo um mecanismo social que rompe os espaços e as barreiras dos costumes, as normas legais, e invade o espaço moral do Outro. Por trás da política de assistência social da qual os idosos são alvos, existe a demonstração evidente de que não só o Estado, mas a sociedade, de um modo geral, fracassou em produzir condições adequadas de vida a seus membros, e uma sociedade que assim age é necessariamente injusta, agressiva e violenta.

Ataques à Individualidade: uma rotina dentro e fora da instituição asilar Tanto o reconhecimento da condição de indivíduo quanto sua exclusão demandam a construção de identidades. A existência do indivíduo pressupõe o Outro, mas não só, pressupõe a existência apesar do Outro, em relação necessária com o Outro. A delimitação do indivíduo é dada em primeira instância, de forma negativa, ou seja, pela constatação necessária da existência do não eu, isto é, do outro que não sou eu mas que tem tanto direito quanto eu a uma existência digna. A negação do Outro, por sua vez, demanda a própria negação, ou seja, o indivíduo só crava sua existência a partir de um processo de dupla afirmação, de si e do Outro.

Há uma dependência necessária de um em relação ao outro; ao mesmo tempo em que se reconhecem um no outro, também reconhecem no outro sua própria negação. O idoso com o perfil típico do interno de instituição asilar pública, sofre constantes ataques à sua condição de indivíduo. Costa (1996), demonstra que esse processo tem como efeito a banalização da vida, onde o Outro é anulado pelo olhar da indiferença que faz desaparecer sua humanidade. Ele se transforma num estranho desqualificado, tornando-se banal o desrespeito físico e moral.

O processo pelo qual os idosos são subtraídos do meio social, e desaparecem da imagem que a sociedade faz de si própria, revela uma mutilação. Uma sociedade que somente se vê jovem e produtiva, simplesmente ignora que dessa percepção estão excluídas as gerações mais antigas consideradas velhas. Desconhece que a relação entre indivíduo e sociedade é indissociável do ponto de vista ético. Codo (1993), nos diz que indivíduo e sociedade se equivalem e se distinguem concomitantemente numa relação de contradição e/ou dupla negação. Isso significa que a condição de indivíduo, em qualquer das suas fases, é a unidade social fundamental e que repousa sobre ela os mecanismos de múltiplas interações da sociedade.

Não há individualidade possível a não ser pelo mútuo espelhamento dos indivíduos. O agir contrário a esse preceito ético compromete a sanidade da própria sociedade na medida em que torna legítimos os mecanismos de exclusão ilegítimos. A sobrevivência do interno no asilo está ligada à possibilidade maior ou menor de reconstruir sua individualidade pelo processo de interação não apenas com os outros internos, mas também com o corpo de funcionários. É uma tentativa precária e desesperada de fazer-se reconhecido pelo Outro, porque de tal reconhecimento depende sua dignidade.

A construção do indivíduo começa e termina com a história das relações por ele vividas. As vivências que ele constrói são, portanto, formas de existir, objetivar-se e, ao objetivar-se, subjetivar-se, isto é, construir-se internamente a partir das relações externas que é capaz de entabular. Isolado no asilo, o idoso fica afastado do contexto social que o construiu e que é capaz de estruturá-lo. Sua separação da sociedade mais ampla representa uma ruptura com os referenciais formuladores de sua individualidade situados no ambiente exterior ao asilo; ruptura essa que agride sua estrutura psicológica, desconectando-o do mundo, às vezes, definitivamente pelo comprometimento de sua sanidade, de sua individualidade e de sua cidadania.

Uma das características observadas junto aos internos de uma instituição asilar é o processo de reificação pelo qual os mesmos passam. Tal situação ocorre tanto na relação dos internos entre si, quanto na relação dos mesmos com a equipe dirigente. A desconstrução de sua individualidade construída socialmente tem por objetivo adaptá-lo à sua nova condição de recluso. O objetivo é fazê-lo conformar-se com a perda da liberdade e com a restrição do seu círculo de relações.

Um dos primeiros ataques que sofre a estrutura psicológica do interno diz respeito ao cerceamento da liberdade. A afirmação da liberdade individual como valor e a noção de que cada indivíduo tem o direito de fazer, na esfera de sua liberdade, tudo que não interfira na liberdade dos outros e ser reconhecido por essa condição essencial, tem, para o caso do interno do asilo, um sentido muito peculiar na medida em que a

perda da liberdade é mascarada pelo discurso de que tal situação ocorre por um motivo justo: assegurar a proteção e a segurança do idoso. No asilo, as relações de troca entre os diferentes membros do grupo tomam a forma e os atributos de relação com coisas mortas. O processo retificador conseqüente se estende progressivamente ao conjunto da vida psíquica não apenas dos internos, como também dos funcionários envolvidos, ocasionando a predominância do quantitativo sobre o qualitativo. Goldmamn (1979) nos diz que há um mascaramento do processo histórico da condição humana e da vida social, transformando o homem em elemento passivo, em espectador de um drama que se renova continuamente e no qual os únicos elementos realmente ativos são coisas inertes.

Tende-se, assim, a substituir no conjunto da vida humana, a autonomia da coisa em relação à ação dos homens, o que transforma a realidade humana em coisa. No interior da instituição, as relações fundamentais continuam a existir, mas sofrem modificações que só implicitamente podem ser percebidas. Os valores e as concepções de mundo que o interno possuía fora se enfraquecem e muitas vezes desaparecem totalmente de sua consciência, e mesmo quando deles permanecem alguns vestígios, não têm mais contato imediato com a vida cotidiana existente fora dos muros da instituição.

O asilo é uma espécie de além-fronteiras, para onde vão todos aqueles que, de uma forma ou de outra, perderam seu lugar na sociedade. A reconstrução de papéis nesse ambiente está limitada a uma dimensão

ínfima da realidade social circunscrita ao espaço físico do asilo. O homem é um ser em torno do qual se organizam as coisas do mundo. Se consideramos o Outro como um homem, qualquer que seja sua condição social ou faixa etária afirmamos dele sua relação com as coisas do mundo e com os outros homens em condição de igualdade; afirmamos sobretudo sua liberdade. A condição de exilado embora assegure um certo bem-estar material, nega a liberdade e conseqüentemente rejeita os elementos fundantes da condição humana, transformando-a em coisa.

Dinâmica das Relações e Fluxos de

Poder na Instituição Asilar

Uma das características na dinâmica das relações dos indivíduos em sociedade é a existência de fluxos de poder que atingem a todos indistintamente, mas que se manifestam de forma mais seletiva sobre os segmentos sociais com menor possibilidade de barganha no jogo de forças em que se transformam os ambientes de convivência. O poder – que pode ser compreendido como a capacidade que têm os indivíduos ou grupo de indivíduos de interferirem na atividade de outros indivíduos ou grupos – torna possível submeter o Outro e colocá-lo em uma condição fragilizada na relação.

Sobre o idoso, o peso dessas conseqüências se dá de forma contínua, velada, mas nem por isso menos contundente. Primeiramente, ele sofre a estigmatização e a exclusão da sociedade mais ampla, processo lento, contínuo e inexorável. Uma vez completado esse ciclo

e já deslocado da esfera considerada produtiva, perde o apoio família, e por último o Estado dele se apodera e o coloca em um asilo. Uma vez segregado no ambiente asilar, fica sob o poder da equipe de funcionários e submetido a uma vida reclusa cujas possibilidades de movimentos estão sob o controle da instituição. A direção do asilo, o corpo técnico e mesmo os funcionários menos qualificados fazem parte de um mecanismo de poder, cuja função precípua é manter administradas e sob controle suas ações, não havendo possibilidade efetiva de se lhe opor resistência.

As normas têm que ser obedecidas sem nenhuma chance concreta de contestação eficaz. O controle do corpo e, por extensão, de toda a sua vida estará sob o domínio da instituição. Essa visão da condição de interno se aproxima da perspectiva de Foucault (1987), que vê o poder como uma rede formada por micro-poderes que se estendem por todo o corpo social, criando a sociedade disciplinar, caracterizada pela organização do espaço com vistas ao controle dos corpos, permitindo agir sobre o Outro, interferindo diretamente em sua vida, inclusive suprimindo direitos.

Desse ponto de vista, o interno encontra-se em posição de instrumento e as intervenções que se fazem sobre ele refletem um jogo de forças cujo fluxo de poder se manifesta numa direção bem definida. Seu corpo é colocado num sistema de coação e privação, de obrigações e de interdições onde o castigo passa da arte das sensações a uma economia dos direitos suspensos. O internamento compulsório do idoso tem uma certa correspondência com as penas de banimento da segunda metade do século XVIII na Europa, especialmente na França. É questionável o internamento como forma de proteção, na medida em que ele atende muito mais aos interesses daqueles que permanecem do lado de fora do asilo.

Como interno do asilo esse sofrimento assume uma face cruel por significar a impossibilidade de ver sua situação revertida. É um sofrimento para “sempre”, quando “sempre” significa o resto da vida; é como morrer diariamente e renascer para repetir novamente no dia seguinte as dores da morte do dia anterior. Trata-se de uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço e os movimentos permitindo o controle minucioso das operações do corpo, realizando a sujeição constante de suas forças e lhe impondo uma condição de docilidade e utilidade.

O poder disciplinar existente no asilo impõe um princípio de visibilidade obrigatória, o que se contrapõe à sua função em relação à sociedade mais ampla que é justamente a de suprimir o idoso da visibilidade geral. Esse poder disciplinar, que se manifesta prioritariamente sobre os corpos dos internos, manifesta-se tanto na organização dos objetos pessoais dos mesmos, quanto naqueles pertencentes ao asilo. Entender as razões pelas quais essa forma de agir sobre o idoso é considerada legítima, tem a ver, primeiramente, com a não visibilidade dos processos que sobre ele atuam, em segundo lugar com o fato de que o interno é vítima de uma representação ideológica da sociedade, que é fabricada pelo disciplinamento de um espaço social que não lhe reservou nenhum lugar.

O contato a ser cortado é o fundamento desse processo de exclusão e como Gregor Samsa o personagem cafkiano, o idoso também participa de um drama intenso de rejeição que vai expelido de seu próprio ambiente, fazendo-o menosprezado e incompreendido por aqueles que teriam obrigação de amá-lo e ampará-lo. Ele se sente um estorvo, sem nada poder fazer contra as forças que o colocam nessa condição de inferioridade. Gregor Samsa é um personagem da obra A Metamorfose, de Franz Kafka que leva uma vida absolutamente rotineira, mas que um belo dia acorda transformado em um inseto e passa a experimentar uma série de rejeições devido à repugnância causada pela sua nova condição.

O poder exercido sobre o corpo no processo de encarceramento a que está submetido o idoso, faz parte de um esquema de vigilância que se baseia na pirâmide de olhares formada por médicos, enfermeiros, serventes, enfim, todos os que compõem o corpo de funcionários do asilo. Os asilos, em suas origens, foram criados com o propósito específico de segregar, preferencialmente nos lugares situados em regiões geograficamente periféricas das cidades, os corpos estigmatizados pela indigência que mendigavam nos centros urbanos.

Uma vez restringidos a um espaço mínimo de movimentação, à limitação e ao empobrecimento de suas experiências, a conseqüência inevitável é um lento perecer da alma. Foucault (1979) diz que é sobre o corpo que se encontram os estigmas dos acontecimentos passados do mesmo modo que dele nascem os desejos, os desfalecimentos e os erros; nele também se atam e de repente se exprimem, mas nele também eles se desatam, entram em luta, se apagam os conflitos. O corpo é, portanto, a superfície de inscrição dos acontecimentos e um volume em perpétua pulverização, o lugar sobre o qual os fluxos de poder se tornam visíveis.

As Rupturas que Conduzem ao Asilo

A alquimia complexa que submete o idoso à experiência do asilo, adiciona às desigualdades sociais uma série de rupturas: familiares, físicas e psicológicas. Essa mescla de infortúnios na velhice atua prioritariamente sobre os indivíduos do sexo masculino, justamente porque a mulher tem uma maior facilidade em adaptar-se ao ambiente de convivência com os filhos. Ela pode vir a encontrar um papel no ambiente familiar do filho ou filha, auxiliando na criação dos netos ou mesmo cuidando dos serviços domésticos. O idoso do sexo masculino, por sua vez, tem menos chance de participar desse tipo de papel, o que torna sua convivência familiar mais difícil, fazendo do abandono ou da internação asilar uma possibilidade cada vez mais concreta.

Uma parcela significativa dos idosos internos é oriunda da zona rural, o que nos leva a inferir que o deslocamento em direção às cidades e a falta de condições de sobrevivência digna são fatores importantes na composição do perfil da população masculina dos asilos públicos; acrescente-se a isso a situação financeira precária devido à sobrevivência através do subemprego ou da mendicância e o quadro de degradação se completa de forma quase inexorável.

As mulheres com essa mesma origem em geral têm pouca ou nenhuma escolaridade, sobrevivem como empregadas domésticas, e em função das condições de trabalho – praticamente os sete dias da semana –, não conseguem constituir um círculo familiar próximo. Essa dificuldade de desenvolver uma vida social razoável, geralmente faz com que envelheçam na casa dos patrões, ajudando a criar seus filhos e netos. Quando, em função de problemas de saúde ou pelo avanço da idade não mais conseguem desempenhar suas tarefas, são encaminhadas ao asilo como uma peça que não mais cumpre sua função e, portanto, é descartável.

Entre os que sofreram maus tratos, as mulheres idosas parecem ser as maiores vítimas. Sua fragilidade física muitas vezes as obriga a suportar uma vida familiar caótica com parentes que se apossam de sua aposentadoria, não lhes proporcionando condições adequadas de saúde e alimentação. A maioria não consegue superar o trauma de sentir-se abandonada e não ter os esforços de toda uma vida reconhecidos. A perda do companheiro, para aquelas que conseguiram construir uma relação conjugal, é o sinal que desencadeia os eventos que culminarão com a internação, pois esse fato leva à perda da residência, geralmente reivindicada pelos membros mais jovens da família. Tal situação agrava seu estado de miséria levando-a à condição de indigência, não lhe restando outra alternativa a não ser o recolhimento à instituição asilar.

—————

Voltar